19 de dez. de 2013

Conto pro Vazio

Baseado no conto “A mais linda mulher da cidade” de Charles Bukowski


Do meu ponto de vista, tudo sempre tremia. Talvez eu devesse ter acendido a luz, mas preferi viver esses anos no escuro. Toda essa expectativa que me cercava me deixava doente.
Havia um espelho. Havia uma tela perfeita, pintada por algum grande artista. Havia necessidade de estragar a tela.
A vida me traria um canivete e uma caixa de remédios para dormir.
A sensação era viciante. Primeiro, dormência, depois, letargia e por fim, nada. O nada era o que eu mais gostava. Era elevar o primeiro e o segundo estágio ao máximo, ao mesmo tempo.
Tentei viver assim a maior parte dos meus dias.
Quando eu não podia ter o nada, eu queria ter tudo. Excessos, lugares inapropriados, desconhecer a palavra cautela. Tudo, tudo era quase nada naqueles dias.
E por aqueles dias eu só andava pelas ruas. Andava, e parava quando era de convir. E tudo me convinha. E todos a mim vinham.
Mas eu sentia falta da dormência. Da letargia e do nada.
E do nada eu era nada. Nada e silêncio. Apelidei de vazio. E o vazio me completava mais do que tudo.
Nos tempos do tudo, eu encontrei aquela pobre alma. Pobre homem que achou ser capaz de me fazer mudar de ideia. Eu o trouxe pro meu mundo de altos e baixo. O apresentei aos dias gloriosos e excessivos e o deixei participar do meu vazio.
Pobre homem. Não nasceu pra ser vazio.
Sentir que agora era eu quem o preenchia me deixou pesada. Era a expectativa perto de mim. Era o que me deixava doente.
Longos períodos em quarentena não foram suficientes. Passei a ouvir mais o silêncio do vazio.
Resolvi ficar de vez com ele. Esse vazio que sempre me amou pelo que eu era, não como os outros. O único que chegou próximo disso foi aquele pobre homem. Mas ele era barulhento demais pro meu vazio.
Pobre homem. Eu ainda ouvia quando ele chegou. Ele sentiria a troca. O trocara pelo vazio, quão cruel eu era.
Ele não se conformava.
Você era linda demais. Linda demais. Eu ouvi antes de escutar o silêncio.
Acho que fiz a escolha certa. Na escuridão do meu vazio não tem luz pra um belo rosto. O vazio, só ele, agora eu vejo, me quer pelo que realmente sou.

5 de nov. de 2013

O Garoto da Aura Negra



Se eu respirasse mais forte era capaz de desabar. A bagunça e o caos da casa refletiam perfeitamente o meu estado interno. Eu o esquecia pra tornar a lembrar. Por mais que eu o expulsasse do quarto e o trancasse do lado de fora, ele insistia em invadir meus sonhos, tornando-os pesadelos dali em diante.
O garoto da aura negra.
Passou por mim como um sopro gelado. Deixou a cama desarrumada e o gosto das baforadas do seu cigarro. Intrigou-me mais do que cativou.
Era ele, o presente lacrado que eu não conseguia abrir. O código indecifrável que eu nunca poderei solucionar. A caixa preta que leva os segredos de uma vida.
Curta. Tão curta quanto o tempo que tive pra desvendá-lo. Tão longa quanto o espaço entre nós dois.
Ele era pesado. Pesado e difícil de inspirar. Entrou rasgando as narinas e queimando o pulmão. Fez questão de marcar suas digitais. Nunca vou entender esse egoísmo masculino.
O garoto da aura negra não tinha alma.
Vestia uma capa de sensibilidade pra esconder a falta de tato. Vivia de fatalismos pra tentar esquecer o hiato de sua própria existência. Fumou meus cigarros e se apossou de minhas pernas, sem a mínima intenção de fazer-se presente.
O garoto da aura negra precisou virar um borrão.
Não tem espaço pra ‘talvez’ nos meus dias agonizantes.  Não posso ficar aqui e ouvir teus berros enquanto eu grito em silêncio. Não é possível dividir o status.
Garoto da aura negra, minha aura é tão negra quanto a sua.
Juntos, seríamos a forca que levaria o pouco de sanidade que nos resta.

4 de set. de 2013

Poema sem nome

De alguma forma, sempre esteve aqui. Sempre se fez presente no meu presente. Encontrou o caminho para o passado e enraizou-se no futuro. 
Angustia lenta e torturante. Faz-me manter os olhos abertos e contar com a ajuda de terceiros. Pessoas ou coisas.
Eu apago a luz, fecho as janelas e tranco as portas dos pensamentos. Eles escapam e acabam entrando pela frestinha de subconsciente. Só pra fazer doer. Só pra lembrar-me como é ter uma ferida aberta e exposta. 
Agora eu sei como é ferir e deixar exposto.

1 de jul. de 2013

Sobre clichês, olhos e bagunça

Eu sempre tive preconceitos com clichês. Primeiro porque a palavra me parecia estranha, não podia ser coisa boa; depois porque todo mundo parecia ser contra, e a gente passa por certa fase na nossa vida que tudo o que a gente quer é ser igual a todo mundo; e por fim porque eu descobri que gostava mesmo era do diferente, do inusitado, do que não era facilmente visível. E quando rejeitar clichês é clichê? E quando a gente descobre que todo mundo reluta, mas no final o que querem mesmo é um bom clichê? Foi assim que eu aceitei que eu também preciso de alguns.

A questão sobre os clichês é que eu sempre tento fugir deles, até inconscientemente. Essa minha paixão pelo que não é óbvio não tem muita explicação. Eu gosto do que é bom aos meus olhos, e se você pudesse se ver pelos meus olhos você se apaixonaria por si mesmo. Eu enxergo tão longe, e não estou falando isso pelos superpoderes das minhas imensas lentes. Eu enxerguei há um tempo. Talvez coisas que ninguém enxergaria, ou quase ninguém, mas eu sim. E talvez a graça seja essa mesmo, que só eu enxergue. Porque se todo mundo visse, se todo mundo soubesse, se todo mundo descobrisse... não gosto nem de pensar. A graça é ser meu e só meu. Meu ponto de vista. Meus olhos. Já disse que te empresto, mas só um pouquinho. Porque eu vou precisar deles pra te enxergar desse jeito.

E olhando assim eu acho que você tem o mesmo defeito de fábrica que eu. Sabe, eu queria que alguém me olhasse com os olhos que eu olho pra você. Só pra ver se faz efeito, entende? Porque eu entendo sua inquietação. Eu também não me sentiria confortável com alguém me olhando assim, porque parece que não somos dignos de ser olhados desse jeito, ou que no mínimo é uma grande perda de tempo do observador. Você também acha? É, eu já sabia. Mas mesmo assim eu queria. Porque essa maneira que eu te olho é muito intensa. E eu não acho que ninguém entenda, porque é só mais um componente da imensa bagunça que eu sou. Eu sou toda bagunçada e torta, e eu nem me atrevo a parar pra te contar porque por muito menos você já evaporou pelos buraquinhos da tampa. Você tá certo. Corre mesmo! Vai pra longe de mim porque as minhas intenções são as piores. Eu sou bagunça e você é uma gaveta de meias, organizada em degradê.

Mas eu sou uma bagunça e bagunço com tudo ao meu redor. Vai pra bem longe de mim! Por Deus, você é bom demais, não quero te bagunçar também. Dá uma olhada no meu quarto, tenta ajeitar as minhas roupas, olha o estado do meu cabelo... tudo sempre fora de ordem. E eu levo tantas vidas, e mesmo assim não consegui arrumar nenhuma delas.  Mas você disse alguma coisa. Eu vou parar e escutar. Espera, não adianta, eu só escuto o que quero ouvir. Eu baguncei todas as suas frases. Subverti toda a intenção, porque eu sou uma subversiva mesmo. Sai daqui antes que eu te vire pelo avesso!  Não, volta que sua camisa tá ao contrário de verdade! Não pega bem sair por aí assim.

Você tem todo esse trejeito de falta de jeito, e eu tenho jeito pra acabar com isso. Mas isso é porque eu te olho com esses meus olhos superpotentes, esses que pintam tudo em HD e me fazem enxergar no superlativo. E eu gosto do seu jeito. Gosto ou gostei, tô na dúvida sobre qual cabe melhor. É diferente. Foge do clichê. Dos meus clichês pelo menos. Eu gostei assim, com os lábios perdidos, as mãos afobadas e o corpo meio trêmulo. Então sai daqui, porque o que eu quero é te guiar. Foge de mim, porque eu venho com uma placa de “Perigo” colada na testa. Foge! Continua fugindo que você tá certíssimo. Só não tenta arrumar a bagunça. Não tenta, porque com esses meus olhos eu vou acabar deixando. Não se aproxima assim não! Eu sou mole, vou derreter rapidinho. Não diz que ama uma bagunça, porque eu te garanto que bagunça do tamanho da minha você ainda não encontrou por aí. Pelo menos não assim, usando vestidos e vestindo sorrisos meigos.

14 de abr. de 2013

O vento que sopra aqui

Se eu pudesse escolher eu escolheria te trancar num quarto escuro. No meu quarto escuro.
Eu escolheria sair desse mundo, nem que fosse por pouco tempo. Sair desse mundo em que não podemos nem existir. Esse mundo que nos sujeita a um canto úmido e mal iluminado, que nos larga por lá com uma mensagem de “se virem como podem” na testa.
Se eu tivesse o poder eu mudaria tudo. Sim, eu admito, mudaria tudo. Talvez se eu não fosse eu e você não fosse você, mas continuássemos sendo nós mesmos, nós seriamos permitidos.

E não me peça calma. Não me peça pra não ter pressa. Eu preciso sempre correr, só pra ter a chance de sentir de novo aquele choque.  Aquele choque. O que eu te falei. Sobre o qual você me falou. Aquela corrente de energia ou tesão, ainda não sei ao certo, que passamos um ao outro ainda que por fibra óptica.
Se for pra pedir deixa que eu peço. Eu peço pouco, juro. Você nunca pede nada. Eu me sinto até culpada de vez em quando. Mas a culpa passa quando eu lembro que você pede em silêncio. Tudo em você é silencioso, e eu entendo perfeitamente o que você grita no silêncio. Ainda que eu finja que não, acredite eu entendo. Sempre desacreditaram de mim quando eu comentava o meu talento de ler entrelinhas. Tanto que eu quase deixei de lado. Mas com você ele foi exercitado ao level máximo. Eu achei, eu li, eu captei. Mas eu gosto de te ouvir dizer em voz alta.

E agora podemos parar com as brincadeiras? Eu não quero brincar disso. Você tem razão, eu sou o lado mais fraco. Eu vou sempre perder e sou uma má perdedora. Não quero mais brincar. Não quero quedas de braço com você. Quero os seus braços em volta do meu corpo. E só. Não quero trazer pessoas pro nosso mundo. Esse mundo que a gente inventou só tem espaço pra nós dois. Não cabe mais ninguém. Vamos expulsá-los daqui. Da mesma forma que eles nos expulsaram do mundo deles. Da mesma forma que não podemos ser lá, eles não podem ser aqui.


Continue soprando aquele sopro que só você tem. Eu continuo me movendo de acordo com o seu vento. Eu quero ser a parte mais gostosa do seu prato, aquela que você deixa pro final. Se eu começar a me misturar à parte comum perde a graça. Não me mande pra lá, ok? Eu prometo que faço o mesmo com você. Prometo que guardo um lugar especial e diferenciado. Mas tem que ser no nosso mundo. Aquele em que só cabemos nós dois. Aquele que é o oposto desse aqui. Mas (por favor, diga se você discorda) acabou ficando mais gostoso.

14 de mar. de 2013

Eu deixo, se você deixar


Você disse que tinha saudades. Eu acreditei. Você disse que queria me ver. Eu acabei com a distância que existia entre nós dois. Você sempre disse. Eu sempre fiz. Mas chegou uma hora em que você parou de dizer, mas eu continuei fazendo.  Você dizia que ainda estava lá. Eu jurava que conseguia sentir. Talvez fosse melhor se eu ouvisse aquela voz que falava baixinho comigo. Aquela que eu calava com as músicas bonitinhas que você tocava pra mim. Aquela voz que dizia “Sai daí, garota! Isso não é pra você”. Mas eu nunca sairia enquanto você não me pedisse. Porque você já conhece bem essa minha mania de só fazer o que você manda.

Se fosse pra descrever o agora, eu diria que me sinto atada aos teus pensamentos que nem conheço. Eu quero agir, mas não posso. Não sem saber como você reagiria à minha ação. Eu não posso pensar, sonhar ou realizar. Nada disso até você sair desse casulo de silêncio e vazio que criou pra se proteger de mim. E eu nem queria muita coisa. 
Talvez, só se você deixasse, eu te daria aquele abraço de por-favor-me-acolha que você tanto gosta. Eu te faria se sentir o homem mais forte do mundo, porque você segura com os braços todos os meus medos (que você bem sabe, são muitos). Ainda se você permitisse, eu te deixava secar minhas lágrimas. Aquelas que você nunca vai saber que caem por causa de você. Te faria meu porto seguro por 20 minutos. Te diria aquelas coisas simples, mas sinceras, que eu venho guardando há um bom tempo. Tudo aquilo que eu tenho vontade de te dizer, mas não digo, porque não sei se você quer ouvir. Você ia gostar de saber que eu penso mais em você no que no cara que está aqui do meu lado? Ia gostar de saber que eu minto descaradamente quando digo que você é até legal, mas não faz o tipo pelo qual eu me apaixonaria? Ia gostar de saber que eu tenho perdido dias de trabalho e noites de sono matutando a mesma pergunta na cabeça: o que afinal eu sinto por você? Eu digo, se você quiser ouvir. Eu deixo, se você deixar.

Dói um pouquinho ser obrigada a duvidar do seu carinho. Mentira. Dói muito. Eu não gosto quando você não age de acordo com o que diz. Eu odeio quando você diz essas coisas que me amolecem. E eu não suporto o fato de não poder ler os seus pensamentos. Eu queria te tirar da minha vida, mas morro de medo ao pensar em como ela pode ficar sem você. 
Eu sei que você nem é tão grande assim. E que em você eu sou pouquinho. Mas em mim você exagera. Transborda até pra onde não pode. Eu vou tentar fechar o pote, quem sabe assim você pare de vazar. Ainda bem que eu sou avoada e você egocêntrico. Dessa forma eu vou conseguir manter os meus olhos o mais distante possível, e você vai passar tempo demais olhando pro seu próprio mundo pra reparar em algo do meu.


10 de mar. de 2013

Fator surpresa


Talvez se eu tivesse dito a verdade de cara tudo isso teria sido mais fácil.
Você gosta do céu azul, do barulho dos animais e das folhas das árvores balançando. Eu prefiro a ambição, os acidentes e a melancolia.
O problema é que eu te olho com sentimento, enquanto você me responde com palavras. Como eu amava as palavras! Passei a odiá-las por causa de você.
Nós nunca nos compreendemos. Nunca ficou claro pra nenhum dos dois.  Talvez eu me agarre a essa incerteza, porque você nunca diz e nem desdiz.
Eu te conheço pelo modo que me abraça, quase dá pra sentir o carinho em seus braços. Mas o que me prende é a dúvida dos seus olhos impenetráveis.
Não acho que a culpa seja minha. Ainda que eu sempre a assuma, não acho que seja.
Eu gosto quando você me deixa de lado e rabisca no seu caderno. Eu te olho com admiração. O problema é quando você acaba. Você nem sempre se lembra de mim de imediato. E isso já se tornou o habitual.

2 de mar. de 2013

Mas eu não falo francês


Eu não vou ligar se você quiser deixar aquela luz acesa. Vai ser a única prova de que você, de fato, esteve aqui. E não é só o álcool que derrete o gelo no meu copo, nem o cigarro deixado de lado queimando no cinzeiro, também não é esse bar escuro e frio que eu insisto em frequentar. Não. Não é nada disso.

O que me incomoda é essa sua presença constante e inconveniente. Essa sua necessidade de se auto afirmar em todas as minhas coisas. Dia desses um amigo disse ter te encontrado em um dos meus livros. Achei muita audácia de sua parte.

E não, eu não tenho todo aquele charme e elegância franceses que você queria que eu tivesse. Mas eu sempre quis sussurrar um je t'aime meio rouco no seu ouvido. Mas me faltou coragem.

17 de fev. de 2013

A voz da Colombina


É segunda de carnaval, e eu escolhi ficar aqui, escrevendo pra você ao invés de aproveitar o dia. Apesar de achar que você não se dará ao trabalho de entender as palavras, apesar de saber que se ao menos você ler até o final já será um grande esforço, mesmo assim eu escolhi ficar aqui e escrever.  Eu escolhi, da mesma forma que escolhi você ao invés dele. E agora eu me arrependo. E me culpo, porque eu não sei fazer escolhas.

Eu estava de bem com a minha vida. Eu tinha paz no meu coração e um livro na estante. Hoje eu vejo o quanto fui egoísta. Ele gostava de mim. Gostou tudo o que você não conseguiu e ainda mais. Acho que ele me amava. E eu aproveitei. Aproveitei porque ele era uma boa companhia. Me garantia boas risadas e me deixava dormir em seu ombro quando eu me cansava. Ele gostava tanto que só me ter ali já era suficiente. Nós costumávamos nos divertir. As pessoas pensavam que éramos um casal e eu sempre ria delas. Ele se doía com meu riso. Eu percebia, mas fingia que não. Ele não teria coragem de falar. E disso eu bem sabia. Eu insisti. Talvez não fosse uma ideia tão ruim assim. Eu tentei. Mas você apareceu.

Eu odiei o seu jeito pomposo e folgado. Só enxergava o ridículo nas suas piadas sem graça e sentia uma extrema necessidade de chamar sua atenção. Não foi difícil. Você me viu. Você gostou e eu me apaixonei. Não pensei no pobre coração do meu amigo. Pensei em você e nesse seu sorriso presunçoso e desajeitado. E assim eu me atirei, botando os pés pelas mãos, como sempre faço. Ignorei os sinais, fingi não ver os avisos e me fiz sua. A essa altura ele andava chorando pelos cantos. Eu sabia, mas não tinha o que fazer. Fui ser feliz com você. E fui, por um certo tempo.

Mas não era de seu feitio ser feliz do jeito tradicional. Você continuou com o seu teatro, com o jeito escorregadio e com os olhares furtivos que nunca eram direcionados a mim. Começou a doer. E eu sentia ainda mais vontade de chamar sua atenção. E você escapuliu. E hoje eu estou aqui, em plena segunda-feira de carnaval lamentando o maldito dia que te conheci, há exatamente um ano. E agora eu sinto falta do meu amigo. Porque ele conseguia enxergar o que nem eu enxergo. Queria saber se hoje, depois de você ter levado contigo tudo o que eu tinha de bom, ele ainda gostaria de mim.

Não tem espaço pra mim no seu bloco de losangos, chapéus de pontas e olhos pintados. Não tem espaço pra quem te quer bem. E eu preciso entender isso. Preciso arrumar as minhas bolinhas e encontrar outra avenida pra desfilar.  Talvez ele me aceite de volta. Mas acho que não sou tão cruel assim. Nesse carnaval sou eu sozinha. Olhando pra dentro e sentindo cada pontinha de dor das minhas escolhas erradas. Talvez até o ano que vem eu aprenda. Ou não. Mas também não sou tão boa assim. Não podia terminar essa carta, Arlequim, sem te desejar, com toda a sinceridade do meu coração, o pior carnaval da sua vida.

Com todo o meu amor e rancor,

Colombina

24 de jan. de 2013

Linger


Palavra da língua inglesa que não tem tradução. É algo que fica. Permanece. Não sai. Não sei ao certo o motivo, mas essa palavra, essa em especial, sempre mexeu muito comigo. Lin-gerrrr. O R no final não morre. Ele fica. Exatamente como a palavra. 

Talvez a ideia de permanecer pra sempre em alguém seja encantadora aos meus olhos. Sim, é isso mesmo. É o cheiro da nuca que ficou no travesseiro. É a sensação de formigamento que fica na boca após o beijo. É a voz que chama, mas não vai embora, segura nas orelhas e no ouvido, fica, fica e fica. E a gente tem a mania de achar que escuta em qualquer lugar. A gente sente um perfume e acha que é o mesmo cheiro. A gente procura um beijo achando que a sensação vai ser igual. Mas nunca é.

Tatuagem. É como uma tatuagem. Pode borrar, desbotar e até ser modificada. Mas nunca sai da pele. Eu sempre quis marcar a pele de alguém. A sua ou a de qualquer outro. Só pra poder apreciar a minha obra de arte, de longe, quando desse vontade. 

Porque assim, dessa sua maneira errada e suja. Com todos os seus defeitos e vícios. Com todos os palavrões e gestos feios. Ainda assim você ficou em mim. Ficou porque o seu perfume é maravilhoso, e dói quando sinto alguém passar com o mesmo cheiro. Machuca de dentro pra fora. Você ficou junto com as conversas jogadas fora nas tardes de domingo. O tanto que eu aprendi com você naqueles dias, seriam necessárias umas três vidas pra por em prática. Ficou nos meus gestos. Ficou no meu novo vocabulário. Ficou nos homens que eu conheci depois de você. Todos sempre carregando um pouquinho. Nunca tudo de uma vez. Porque essa sorte eu só teria uma vez na vida.

Linger é prolongar. É não empregar o ponto final, mas sim as reticências. E você me encheu de reticências. São tantas que eu já nem sei o que fazer com elas. Eu já rabisquei um milhão de pontos finais. Já apelei até pra tinta permanente. Mas você estraga tudo adicionando mais dois pontinhos ao fim das minhas (suas) frases. 

Se um dia eu parar e procurar com calma na sua pele não acredito que vá encontrar minhas tatuagens. Já no meu corpo não existe mais espaço. São palavras perdidas, frases meia boca, algumas vírgulas e as malditas reticências. Tudo isso seu. Tudo isso em mim. Porque você fica. Ficou. Aprendi na pele o que é linger, não precisa mais tentar traduzir.

You lingered on me.


21 de jan. de 2013

Sobre livros, prateleiras e estantes


Hoje pela manhã eu li um texto que dizia que pessoas são como prateleiras que nós usamos apenas para dar suporte aos livros. Achei que fazia sentido. Comecei a me perguntar quem seriam as pessoas que eu fiz de prateleira ao longo da minha vida. Naturalmente você entraria no grupo. Mas não foi tão natural assim. Quando dei por mim não conseguia te esquecer misturada no mesmo saco que as outras mulheres que passaram. Elas sim, mulheres prateleiras. Você deveria estar lá. Deveria, pois assim eu saberia com toda a certeza que o espaço que você ocupa em mim é pequeno. A questão é que eu já não sei.

Você tem esse seu jeito confuso de gostar dos amores proibidos e impossíveis. E eu sinto que é só isso que te atrai em mim. Sem toda essa carga eu seria só mais um dos tantos homens que passam na sua vida. Exatamente como esses cujas ligações e sentimentos você ignora. E eu não paro de pensar que pra mim você também é impossível. E o seu impossível é tão gostoso.

A confusão na minha cabeça é tão grande que eu acho que você nunca entenderia. Você é linda com todo esse seu jeito meigo, e eu fico pra morrer quando te vejo sendo assim com outros caras. O ideal seria que fosse só pra mim. Eu tenho que me controlar pra não te abraçar e te trazer pra perto toda vez que você sorri esse sorriso bonito. Porque eu não posso. E por mais que você pense que eu não queira, a verdade é que eu realmente não posso.

Eu sempre fui um cara justo e centrado. Mas você mexe com tudo isso e subverte os pensamentos dentro de mim. Eu fico procurando maneiras de te manter por perto, e isso pra mim não faz sentido. Tento achar um porque e a resposta se esconde por trás do que eu não me permito pensar. Então eu te afasto. Te afasto, pois é o certo a fazer. Porque é o melhor pra mim. Pra ela. Mas aí você vem, e me puxa de volta. Aí eu não consigo mais sair.

Ultimamente eu tenho pensado que você anda me usando. Me usando como alvo das tuas brincadeiras. Ou então, simples e somente pra satisfazer as suas necessidades. Quando na verdade quem deveria estar te usando era eu. Eu estive a frente da situação o tempo todo. Eu digo a hora. Eu dito as regras. Não é assim? Ou será que você é tão boa nesse jogo que me fez acreditar que eu era o dono da situação quando, na verdade, era sempre você?

Você começou a entrar na minha vida. E eu nunca te convidei. Você anda aparecendo nos filmes que eu assisto, nas músicas que eu toco e até nos livros empoeirados que eu tenho tirado da estante da sala. Se dependesse de mim você nunca passaria pela porta. Mas você é cheia de artimanhas. E eu acho tudo isso uma graça. Você me ganha no meu ponto fraco. Meu complexo de homem-super-protetor chega à flor da pele quando eu te vejo tão frágil e indefesa (tão diferente da máscara que você veste na frente dos outros). Mas eu não tenho permissão pra te proteger. Quando o faço tenho que ser discreto e sorrateiro. Te protejo de longe. Está decidido! E não quero um “aí” sobre o assunto.

Definitivamente você não é uma prateleira. Você é um livro que eu peguei emprestado e preciso devolver. Um livro desses que interrompem a nossa leitura atual. A gente se cansa da história que estava lendo e quer partir pra essa aventura nova e excitante. Mas no final eu acabo voltando pra leitura antiga. E espero que você fique ali, na minha prateleira, bem ao meu alcance. Só que o livro é tão interessante que sinto que logo alguém o tomará de mim.

20 de jan. de 2013

A garota que superava fácil demais


Eu gosto da solidão. Gosto de como lido com isso. Não é estar sozinha, é estar em sintonia comigo. A casa é grande demais para uma pessoa só. Eu aproveito o espaço. Levanto devagar, espreguiço os braços e abro os olhos. A chuva não parou de cair. Um quase sorriso se forma nos meus lábios. Calço os chinelos e prendo o cabelo. Talvez fosse um daqueles dias em que é melhor nem sair da cama. Acho que no fundo nunca tive um desses, não que me lembre, mas sempre escuto todos ao redor falarem isso. Um dia, mais cedo ou mais tarde, acontecerá comigo.
Ligo a cafeteira e preparo o café a meu gosto. Às vezes é bom deixar amargo. Ajuda a lembrar das coisas doces. Tento não fechar os olhos, pois assim as imagens vêm à cabeça. A roupa, a mesma de ontem, conserva o cheiro de bebida e ambiente fechado. Lembro da visão embaçada e da cabeça pulsando. Me deitei desse jeito mesmo. O importante era passar de uma vez. É engraçado que as coisas tenham chegado a esse ponto. Eu nunca diria essas palavras. Nunca faria coisas do tipo. Mas essa era eu antes de você.
Gole quente e amargo. É bom assim.
Tudo o que eu preciso agora é um banho. A ducha está quente. Como é possível que você ponha em prova tudo o que eu penso, acredito ou julgo certo? O complexo de inferioridade que eu desenvolvo estando com você é de ferir. Você sempre percebeu, mas nunca fez questão de mudar. Talvez isso te faça bem.
E não. Não foi por acaso que eu entrei no nosso bar. Antes seu. Agora nosso. Eu sonhei, ensaiei, escrevi e revisei tudo o que te diria naquele dia. Porque sim, era certo te encontrar lá. Na habitual mesa, com o habitual chope e os habituais rabiscos. Eu diria que estava de passagem e, olha só que coincidência, resolvi tomar um chope por aqui. Não que eu imaginasse te encontrar nesse lugar. Não é só porque você sempre fez questão de me trazer aqui que estaria no bar justamente hoje. Já que nos encontramos acho legal trocarmos algumas palavras. Não trocamos muitas desde que nos vimos pela última vez. Ou melhor, desde que você parou de atender minhas ligações.
Não é certo fazer isso com alguém. Não é certo fazer isso comigo. Pode beber seu chope com calma, não quero incomodar. Sua vida anda agitada? Que coisa. A minha não. Espera, na verdade anda sim. Eu faço questão de passar todas as minhas noites fora de casa. Já frequentei cada bar, cada boate, cada cubículo dessa maldita cidade. Porque ficar em casa é nocivo pra mim. Você não quis me ver. Tudo bem. Eu entendo. Eu vou procurar companhia por aí. Talvez preencher os milhares de buracos e vazios que você deixou com festas de arromba, amigos fúteis, desconhecidos e bebidas. Mas você precisa saber que isso não é certo. Você nunca fez nada certo. E olha só pra mim, abrindo a guarda mais uma vez. Te entregando meus sentimentos de bandeja. Pode se servir.
Você limpa com a ponta do dedo lágrima que se forma no meu olho antes dela cair. Afasta o meu cabelo do rosto e me abraça. Exatamente como você gosta de fazer. E aí eu tremo. Cambaleio e desmorono. Metade de mim quer te segurar com força pra não deixar você sumir de novo. Porque você sempre some e eu parei de contar as vezes depois da última. Outra metade quer tentar os truques de karate que eu aprendi assistindo o filme do Tarantino. Assim você nunca mais mexeria comigo. Minha única certeza é que a melhor coisa a fazer é sair dali.
Me desvencilho dos seus braços grandes e quentes. Levanto da cadeira e ajeito o vestido preto. Mas você já vai? Não ia tomar um chope? Fica. A gente pode fazer alguma coisa. Eu prefiro fingir que não escutei nada do que você disse. Pego a bolsa e saio sem olhar pra trás. Prometo pra mim mesma nunca mais botar os pés nesse maldito bar, que a partir de agora volta a ser só seu. Entro no primeiro lugar lotado de desconhecidos e música alta. Qualquer coisa pra abafar meus pensamentos.
E agora estou aqui, debaixo dessa ducha pelando, um pouco surda e com a cabeça latejando. Eu posso tirar o celular da bolsa e posso atender o telefone. Não vai ser você. Você não vai ligar. Não por hoje. Mas talvez amanhã ligue. Amanhã ou quando perceber que ninguém mais se dará ao trabalho de virar madrugadas escrevendo sobre você. Quando sentir falta dos meus comentários engraçados ou do jeito infantil. Quando sentir falta da sua crítica mais fiel e mais sincera. Porque você vai. Como sempre, eu sei que vai. Mas por hoje eu só quero que essa dor de cabeça passe.

15 de jan. de 2013

Crônica nº 2


Hoje foi um daqueles dias em que eu acordei com uma estranha vontade de viver. Uma olhada na janela. Cinza. Exatamente como no meu sonho. Só que real. Vesti a melhor roupa, deixei os cabelos soltos e calcei o melhor sapato. Talvez, só por hoje, tudo desse certo.
A chuva que eu tanto gosto caía com uma certa insistência. Não posso reclamar. Quando ela não vem eu sinto saudades. Achei melhor fechar os olhos. Os de dentro. E me imaginar junto com ela, a chuva, mas em outra situação. Eu estaria andando apressadamente por Paris. Mas aí eu me daria conta de onde estou, e que Paris na chuva é tão mais bonito, e afrouxaria o passo.
Se era faz de conta eu podia fazer de conta que estava indo te encontrar. Você estaria me esperando num café, com um expresso em sua mesa, o livro do qual conversamos e os seus braços quentinhos. Eu sei o quão quentes eles podem ser porque eu já pude experimentar. Você me avista pela janela embaçada. Sorri pra mim e eu abraço o casaco com mais força. Logo ele não será tão necessário. Talvez eu peça um expresso também. Você vai me abraçar forte e perguntar sobre o meu dia. Eu quero ouvir tudo sobre o seu. E eu vou me fazer na sua barba. De que importa se meus pés estão encharcados? Eu só quero que você roce o seu queixo no meu pescoço.
A buzina do carro me desperta pra realidade. Não. Eu não estou em Paris e você não está aqui. A falta é tanta que chega a doer. Porque na verdade você está. Mas não está. E eu não estou porque você não me deixa estar. Então eu sigo. Porque você não é o primeiro e nem será o último. Mas foi um dos poucos que conseguiu furar o muro. O problema é que você deixou o buraco, mas esqueceu de pendurar o quadro.