Eu gosto da solidão. Gosto de como lido com isso. Não é
estar sozinha, é estar em sintonia comigo. A casa é grande demais para uma
pessoa só. Eu aproveito o espaço. Levanto devagar, espreguiço os braços e abro
os olhos. A chuva não parou de cair. Um quase sorriso se forma nos meus lábios.
Calço os chinelos e prendo o cabelo. Talvez fosse um daqueles dias em que é
melhor nem sair da cama. Acho que no fundo nunca tive um desses, não que me
lembre, mas sempre escuto todos ao redor falarem isso. Um dia, mais cedo ou
mais tarde, acontecerá comigo.
Ligo a cafeteira e preparo o café a meu gosto. Às vezes é
bom deixar amargo. Ajuda a lembrar das coisas doces. Tento não fechar os olhos,
pois assim as imagens vêm à cabeça. A roupa, a mesma de ontem, conserva o
cheiro de bebida e ambiente fechado. Lembro da visão embaçada e da cabeça pulsando.
Me deitei desse jeito mesmo. O importante era passar de uma vez. É engraçado
que as coisas tenham chegado a esse ponto. Eu nunca diria essas palavras. Nunca
faria coisas do tipo. Mas essa era eu antes de você.
Gole quente e amargo. É bom assim.
Tudo o que eu preciso agora é um banho. A ducha está quente.
Como é possível que você ponha em prova tudo o que eu penso, acredito ou julgo
certo? O complexo de inferioridade que eu desenvolvo estando com você é de
ferir. Você sempre percebeu, mas nunca fez questão de mudar. Talvez isso te faça
bem.
E não. Não foi por acaso que eu entrei no nosso bar. Antes
seu. Agora nosso. Eu sonhei, ensaiei, escrevi e revisei tudo o que te diria
naquele dia. Porque sim, era certo te encontrar lá. Na habitual mesa, com o
habitual chope e os habituais rabiscos. Eu diria que estava de passagem e, olha
só que coincidência, resolvi tomar um chope por aqui. Não que eu imaginasse te
encontrar nesse lugar. Não é só porque você sempre fez questão de me trazer
aqui que estaria no bar justamente hoje. Já que nos encontramos acho legal
trocarmos algumas palavras. Não trocamos muitas desde que nos vimos pela última
vez. Ou melhor, desde que você parou de atender minhas ligações.
Não é certo fazer isso com alguém. Não é certo fazer isso
comigo. Pode beber seu chope com calma, não quero incomodar. Sua vida anda
agitada? Que coisa. A minha não. Espera, na verdade anda sim. Eu faço questão
de passar todas as minhas noites fora de casa. Já frequentei cada bar, cada
boate, cada cubículo dessa maldita cidade. Porque ficar em casa é nocivo pra
mim. Você não quis me ver. Tudo bem. Eu entendo. Eu vou procurar companhia por
aí. Talvez preencher os milhares de buracos e vazios que você deixou com festas
de arromba, amigos fúteis, desconhecidos e bebidas. Mas você precisa saber que
isso não é certo. Você nunca fez nada certo. E olha só pra mim, abrindo a
guarda mais uma vez. Te entregando meus sentimentos de bandeja. Pode se servir.
Você limpa com a ponta do dedo lágrima que se forma no meu
olho antes dela cair. Afasta o meu cabelo do rosto e me abraça. Exatamente como
você gosta de fazer. E aí eu tremo. Cambaleio e desmorono. Metade de mim quer
te segurar com força pra não deixar você sumir de novo. Porque você sempre some
e eu parei de contar as vezes depois da última. Outra metade quer tentar os
truques de karate que eu aprendi assistindo o filme do Tarantino. Assim você
nunca mais mexeria comigo. Minha única certeza é que a melhor coisa a fazer é
sair dali.
Me desvencilho dos seus braços grandes e quentes. Levanto da
cadeira e ajeito o vestido preto. Mas você já vai? Não ia tomar um chope? Fica.
A gente pode fazer alguma coisa. Eu prefiro fingir que não escutei nada do que
você disse. Pego a bolsa e saio sem olhar pra trás. Prometo pra mim mesma nunca
mais botar os pés nesse maldito bar, que a partir de agora volta a ser só seu.
Entro no primeiro lugar lotado de desconhecidos e música alta. Qualquer coisa
pra abafar meus pensamentos.
E agora estou aqui, debaixo dessa ducha pelando, um pouco
surda e com a cabeça latejando. Eu posso tirar o celular da bolsa e posso
atender o telefone. Não vai ser você. Você não vai ligar. Não por hoje. Mas
talvez amanhã ligue. Amanhã ou quando perceber que ninguém mais se dará ao
trabalho de virar madrugadas escrevendo sobre você. Quando sentir falta dos
meus comentários engraçados ou do jeito infantil. Quando sentir falta da sua
crítica mais fiel e mais sincera. Porque você vai. Como sempre, eu sei que vai.
Mas por hoje eu só quero que essa dor de cabeça passe.
3 comentários:
Ana, parabéns! Nada como um texto após o outro.
Ana Carolina: Fiquei muito, muito feliz! Como é bom perceber que você cresceu e está caminhando e bem! Se minha mãe estivesse aqui ela também estaria muito contente. Quando vc era criança e ela ficava te admirando como vc brincava e fazia as coisas, ela sempre comentava comigo: Essa menina vai longe... e vai mesmo! Se precisar me procura. Um grande beijo.
Ana Carolina: Fiquei muito, muito feliz! Como é bom perceber que você cresceu e está caminhando e bem! Se minha mãe estivesse aqui ela também estaria muito contente. Quando vc era criança e ela ficava te admirando como vc brincava e fazia as coisas, ela sempre comentava comigo: Essa menina vai longe... e vai mesmo! Se precisar me procura. Um grande beijo.
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