20 de jan. de 2013

A garota que superava fácil demais


Eu gosto da solidão. Gosto de como lido com isso. Não é estar sozinha, é estar em sintonia comigo. A casa é grande demais para uma pessoa só. Eu aproveito o espaço. Levanto devagar, espreguiço os braços e abro os olhos. A chuva não parou de cair. Um quase sorriso se forma nos meus lábios. Calço os chinelos e prendo o cabelo. Talvez fosse um daqueles dias em que é melhor nem sair da cama. Acho que no fundo nunca tive um desses, não que me lembre, mas sempre escuto todos ao redor falarem isso. Um dia, mais cedo ou mais tarde, acontecerá comigo.
Ligo a cafeteira e preparo o café a meu gosto. Às vezes é bom deixar amargo. Ajuda a lembrar das coisas doces. Tento não fechar os olhos, pois assim as imagens vêm à cabeça. A roupa, a mesma de ontem, conserva o cheiro de bebida e ambiente fechado. Lembro da visão embaçada e da cabeça pulsando. Me deitei desse jeito mesmo. O importante era passar de uma vez. É engraçado que as coisas tenham chegado a esse ponto. Eu nunca diria essas palavras. Nunca faria coisas do tipo. Mas essa era eu antes de você.
Gole quente e amargo. É bom assim.
Tudo o que eu preciso agora é um banho. A ducha está quente. Como é possível que você ponha em prova tudo o que eu penso, acredito ou julgo certo? O complexo de inferioridade que eu desenvolvo estando com você é de ferir. Você sempre percebeu, mas nunca fez questão de mudar. Talvez isso te faça bem.
E não. Não foi por acaso que eu entrei no nosso bar. Antes seu. Agora nosso. Eu sonhei, ensaiei, escrevi e revisei tudo o que te diria naquele dia. Porque sim, era certo te encontrar lá. Na habitual mesa, com o habitual chope e os habituais rabiscos. Eu diria que estava de passagem e, olha só que coincidência, resolvi tomar um chope por aqui. Não que eu imaginasse te encontrar nesse lugar. Não é só porque você sempre fez questão de me trazer aqui que estaria no bar justamente hoje. Já que nos encontramos acho legal trocarmos algumas palavras. Não trocamos muitas desde que nos vimos pela última vez. Ou melhor, desde que você parou de atender minhas ligações.
Não é certo fazer isso com alguém. Não é certo fazer isso comigo. Pode beber seu chope com calma, não quero incomodar. Sua vida anda agitada? Que coisa. A minha não. Espera, na verdade anda sim. Eu faço questão de passar todas as minhas noites fora de casa. Já frequentei cada bar, cada boate, cada cubículo dessa maldita cidade. Porque ficar em casa é nocivo pra mim. Você não quis me ver. Tudo bem. Eu entendo. Eu vou procurar companhia por aí. Talvez preencher os milhares de buracos e vazios que você deixou com festas de arromba, amigos fúteis, desconhecidos e bebidas. Mas você precisa saber que isso não é certo. Você nunca fez nada certo. E olha só pra mim, abrindo a guarda mais uma vez. Te entregando meus sentimentos de bandeja. Pode se servir.
Você limpa com a ponta do dedo lágrima que se forma no meu olho antes dela cair. Afasta o meu cabelo do rosto e me abraça. Exatamente como você gosta de fazer. E aí eu tremo. Cambaleio e desmorono. Metade de mim quer te segurar com força pra não deixar você sumir de novo. Porque você sempre some e eu parei de contar as vezes depois da última. Outra metade quer tentar os truques de karate que eu aprendi assistindo o filme do Tarantino. Assim você nunca mais mexeria comigo. Minha única certeza é que a melhor coisa a fazer é sair dali.
Me desvencilho dos seus braços grandes e quentes. Levanto da cadeira e ajeito o vestido preto. Mas você já vai? Não ia tomar um chope? Fica. A gente pode fazer alguma coisa. Eu prefiro fingir que não escutei nada do que você disse. Pego a bolsa e saio sem olhar pra trás. Prometo pra mim mesma nunca mais botar os pés nesse maldito bar, que a partir de agora volta a ser só seu. Entro no primeiro lugar lotado de desconhecidos e música alta. Qualquer coisa pra abafar meus pensamentos.
E agora estou aqui, debaixo dessa ducha pelando, um pouco surda e com a cabeça latejando. Eu posso tirar o celular da bolsa e posso atender o telefone. Não vai ser você. Você não vai ligar. Não por hoje. Mas talvez amanhã ligue. Amanhã ou quando perceber que ninguém mais se dará ao trabalho de virar madrugadas escrevendo sobre você. Quando sentir falta dos meus comentários engraçados ou do jeito infantil. Quando sentir falta da sua crítica mais fiel e mais sincera. Porque você vai. Como sempre, eu sei que vai. Mas por hoje eu só quero que essa dor de cabeça passe.

3 comentários:

Ethoesia disse...

Ana, parabéns! Nada como um texto após o outro.

Unknown disse...

Ana Carolina: Fiquei muito, muito feliz! Como é bom perceber que você cresceu e está caminhando e bem! Se minha mãe estivesse aqui ela também estaria muito contente. Quando vc era criança e ela ficava te admirando como vc brincava e fazia as coisas, ela sempre comentava comigo: Essa menina vai longe... e vai mesmo! Se precisar me procura. Um grande beijo.

Unknown disse...

Ana Carolina: Fiquei muito, muito feliz! Como é bom perceber que você cresceu e está caminhando e bem! Se minha mãe estivesse aqui ela também estaria muito contente. Quando vc era criança e ela ficava te admirando como vc brincava e fazia as coisas, ela sempre comentava comigo: Essa menina vai longe... e vai mesmo! Se precisar me procura. Um grande beijo.