31 de dez. de 2012

Em 2013...

Não esquente a cabeça
Vá à praia
Abrace seus amigos
Diga "eu te amo"
Beba uma gelada
Esqueça os quilinhos a mais
Tome sorvete de flocos
Ande de pedalinho
Coloque seu vinil na vitrola
Vá à Paquetá
Bata palmas para o pôr do Sol
Não queime a mufa
Cante no chuveiro
Leia um bom livro
Faça sexo
Cozinhe para os amigos

24 de dez. de 2012

O dito pelo não dito


A essa altura da vida tudo o que queria era aproveitar o que já conquistara até ali. Não imaginava que, justamente agora, as reviravoltas começariam a assombrá-lo. No fundo sempre soube que viriam. Mas se não antes, por que agora?
Não consegue lembrar com exatidão o momento do primeiro encontro, mas lembra dos primeiros dias, da primeira sensação. Lembra que ela era a mais interessada. Sempre tinha alguma pergunta na ponta da língua. Lembra-se também de, por diversas vezes, ter imaginado estar se apresentando somente pra ela. “Não entendo essa tua mania de encarar tuas aulas como apresentações de espetáculos” ela dizia. Mas, ora, o que seria se não uma forma de se apresentar à pequena plateia sedenta de seu conhecimento. Lembra que no início ela pensava assim.
Enquanto desfaz a primeira gaveta se recorda da advertência feita pela mãe. Não acho que seja uma boa ideia. Ela não me parece pronta para ser uma dona de casa. Você é jovem e ela mais ainda. Optou por ignorar a todas. Sim, ele era jovem e ela alguns anos mais jovem do que ele. Mas de que isso importava afinal? Estavam apaixonados, era o que bastava. Ele ainda se lembra daquela madrugada quente em janeiro, ambos estavam sem sono (ou seria um artifício de seus próprios corpos para aproveitarem cada minuto com o outro?) e ele terminava o primeiro capítulo de seu mais recente romance. Pediu a ela que deixasse a televisão de lado por alguns minutos e contribuísse com a sua sincera opinião. Ele nunca fazia isso. Nunca deixava ninguém ler seus livros pedaço por pedaço. Eles eram obras de arte por completo. Separados não faziam sentido pra ninguém, a não ser pra ele. Com certo entusiasmo ela percorreu os olhos pelas palavras. Uma, duas, três vezes.  Ele se perguntava o que ela estaria pensando. Parecia complicado demais? A bagunça de sua cabeça tornava impossível a compreensão para quem viesse de fora? Ao fim da leitura ela tinha os olhos marejados e o papel apertado nas mãos. É tão lindo e tão poético, mas me deixou extremamente angustiada. Era ela, só podia ser. Ele soube ali, no minuto em que ela enxergou o que ninguém mais enxergava em seus livros. Nele.
Uma mala pronta e ainda restam 2/3 do guarda-roupa. Seria o suficiente para algumas semanas, mas a necessidade de sair dali o mais rápido possível, de nunca mais voltar a pisar naquele lugar fez com que ele esvaziasse tudo por completo e levasse até o último pente de cabelo. Hora da divisão. Antes de prosseguir desamarra do pulso as fitas que ela lhe dera nas últimas férias com a promessa de lhe trazer sorte. A ele não valeram de nada. Era melhor deixa-las por ali. Recolhe todos os seus discos sabendo que ela entrará em desespero quando procurar aquele LP raríssimo do Pixinguinha e não encontrar. Ele lhe pertence, nada mais justo do que voltar em sua bolsa. Deixa com ela todos os cds, esses não valem tanto assim. Ele gosta das coisas à moda antiga, já ela é moderna em excesso.
Uma última conferida no quarto. Uma olhada furtiva à cama. A cama de casal, a cama deles que guarda segredos que só os dois compartilhavam. Talvez agora ela já os tenha compartilhado com a terceira pessoa. Ele notara a diferença. Ela, que sempre fora o Sol, estava cada vez mais fria e distante. Ele preferiu não dizer nada. Esperar pela notícia como quem sabe o que está por vir. Encontrei outra pessoa. Você sabe que o problema não é você. Nós fomos precipitados, deveríamos ter escutado os outros. Eu ainda te admiro muito. É melhor acabar com isso antes que algum dos dois saia machucado.
Aproveitou o momento em que sabia que ela não estava para pegar suas coisas. Qualquer contato agora seria extremamente delicado, e ele estava ocupado demais (demonstrando a todos que concordava com o fato de que o término era a melhor opção) para andar em seus campos minados. Sem esperanças de volta, sem lágrimas, sem ressentimentos. Simples assim. Outro dia um amigo o parou na rua e quis saber sobre o ocorrido. Sabe como é, é o mau de nossa geração, incompatibilidade de genes. Mas estamos bem. Somos amigos ainda.  A velha história da mentira contada diversas vezes, até virar uma verdade.
Antes de partir decide deixar um bilhete para não parecer muito grosseiro.
Estive por aqui para pegar minhas coisas. Não encontrei o meu Neruda mais novo que você tomou emprestado e, até onde eu lembro, não chegou a ler. Será que poderia mandar pelo vizinho? Precisarei dele para a próxima aula. O senhorio trouxe a papelada. O aluguel está confirmado no seu nome. Sugiro que aceite uma ajuda de seu futuro companheiro, o reajuste esse ano foi salgado.
Pra quê despedir-se com beijos? Para quê desejar coisas boas e que ela se cuidasse? Ele sabia que a partir dali ela seguiria melhor do que ele.
Um último passo silencioso e sem olhar pra trás. Confere todos os documentos na carteira e sente o peito apertar. É a saideira da vida que ele viveu ali. A saudade é inevitável e já começa a se fazer presente. Junto com ela uma surpresa, alívio. Alívio por se sentir livre, alívio por conseguir, independente das circunstâncias, deixar pra trás uma rotina da qual ele sabia já não ser mais a sua. Aquela leve impressão de que já se vai tarde.

16 de dez. de 2012

Falta de sentir falta


Não que fosse normal, aceitável ou esperado. Mas aconteceu. Eu senti sua falta. Senti saudade. Essa sensação de vazio que eu não me é permitida sentir, não quando diz respeito a você.
E talvez não fosse só o fato de você não estar fisicamente presente, mas sim o fato de você nunca estar, de fato, comigo. A saudade que eu sinto é  da sua companhia. Essa que eu nunca tive. Essa que eu tiver que aprender a viver sem.
O dia transcorreria normalmente, como era de se esperar. Eu arrumaria desculpas, atividades e pessoas para preencher o seu lugar, como era de se imaginar. Mas nunca é a mesma coisa.
Sinto falta de poder sentir falta. Sinto vontade de te ligar e dizer “olha, essa distância toda entre a gente não está legal”. Seria loucura, seria impulsivo até pra mim. Mas é assim que eu sou, e você bem sabe. Impulsiva, inconsequente e como dizem por aí “meio doidinha”.
Você gosta das minhas palavras doces e simples. Diz que se agarra a elas quando pode. Eu não tenho nem ao que me agarrar. Tento buscar a lembrança do teu cheiro, mas ela já é vaga. Talvez os olhos, mas eles resistem em me encarar. Fico com a saudade. A saudade escondida. A falta que eu sinto só pra mim e ninguém mais pode saber. Nem mesmo você.

14 de dez. de 2012

Crônica nº 1


Já eram 18:30 quando ela conseguiu fugir. As paredes se fechavam e o vidro espelhado começava a sufocar mais do que tudo. Talvez o que faltava era ar puro. Talvez uma simples caminhada fosse capaz de resolver. Resolveu seguir andando, mas ao invés de dobrar a esquerda e tomar o caminha habitual, escolheu a direita.
Como sempre, ela estava imersa até a cabeça em problemas que não eram seus. As incertezas, os problemas e as dúvidas, que não eram suas, perseguiam-na sem trégua, sem deixar um mísero espaço pra respirar. No fundo ela gostava. Era a única maneira de não encarar os seus de frente. As suas incertezas, os seus problemas, as suas dúvidas. Continua caminhando, agora pela orla daquela famosa praia. A sua frente uma jovem senhora diminui o passo pacientemente para acompanhar o garotinho na bicicleta. Talvez fosse sua mãe, a questão é que parecia imensamente satisfeita em só acompanhar. Talvez fosse melhor se sentar.
Será que a jovem senhora era feliz assim? Sua imaginação fértil projetou um apartamento confortável, um marido aceitável e um cachorro de porte médio, além do garotinho, é claro. A ideia lhe causou calafrios. Parecia tudo tão banal. Talvez o problema não estivesse na jovem senhora, nem no marido ou no filho. Talvez o problema estivesse nela que não consegue assimilar o fato de as pessoas se contentarem com o marasmo. Mas a ideia era não falar dos problemas dela. Melhor pedir uma cerveja.
O dia começa a terminar. Ela brinca com a ponta de uma mecha de cabelo enquanto observa aqueles dois morros se ascenderem à medida que o Sol se apaga. A sua vontade era não sair dali nunca. Engolir a bebida e se aquietar no mais profundo silêncio. Talvez assim ela conseguisse, enfim, atirar-se para dentro do vazio. Talvez o problema realmente estivesse nas pessoas. Nas pessoas as quais ela vem se cercando. Um suspiro pesado e uma lágrima que quase desce. Lágrimas. Há quanto tempo ela não sabe o que é sentir o líquido salgado descendo pelas suas bochechas. Não que não houvesse oportunidades, não que a vontade não aparecesse ou que ela se esforçasse. Elas, as lágrimas, simplesmente não vinham. Estavam ignorando-a assim como qualquer outra coisa que pudesse comprová-la de sua própria existência.
Ultimamente ela tem se sentido incapaz de sentir. A rainha da dissimulação se perdeu no meio do que é real e do que não é. Havia dias em que ela se sentia embebida em morfina, incapaz de se aquecer e sendo obrigada a forçar sorrisos calorosos. Um último gole, mais uma cerveja. Dessa vez um homem para ao seu lado. Ele senta-se à mesa ao lado, lê um jornal escrito em outra língua e usa sapatos que não combinam com a ocasião. Alheio àquele mundo. Instantaneamente ela o acha interessantíssimo. Seria um belo estudo de caso se fosse antropóloga, pensa com seus botões. Esse cara deve ter uma vida interessante. Ela gostou da ideia de se imaginar em outro canto do Mundo, rodeada de pessoas diferentes, lendo um jornal em outra língua e totalmente alheia ao dia-a-dia das pessoas.
Se tivesse uma toalha esquecida em minha bolsa, até me arriscava a dar um mergulho, ela pensa. A mecha de cabelo já não parece mais tão interessante, assim como o vizinho da mesa ao lado. Como podes ser tão volúvel? Ela mesma se repreende. Ser volúvel implica em mudar de ideia incrivelmente rápido, mudar de ideia implica em ter que opinar por um ou outro, opções implicam em escolhas e, por favor, deem-lhe tudo, mas não deem escolhas. A capacidade de escolher algo que seja bom pra si já foi descartada. O problema é que o caminho do meio que ela escolheu implica em sempre ficar com as duas opções. Pra que isso ou aquilo se posso ter isso E aquilo? Pra que ele ou você se posso ter ele E você. E assim tudo fica mais fácil. Só esqueceram-se de avisá-la que quem quer tudo nunca tem nada.
Um último gole. É hora de dar as costas a esta paisagem, ao vizinho que agora grita em seu celular e ao buraco negro de pensamentos que ficou naquela mesa. Soluções? Encontrou várias. Nunca pros seus próprios problemas, mas sempre terá um bom conselho a te dar se você pedir. Uma garota que está perdida demais para dizer alguma coisa. Talvez ela nem esteja tão perdida assim, só que ainda não conseguiu se encontrar.