Eu sempre tive preconceitos com clichês. Primeiro porque a
palavra me parecia estranha, não podia ser coisa boa; depois porque todo mundo
parecia ser contra, e a gente passa por certa fase na nossa vida que tudo o que
a gente quer é ser igual a todo mundo; e por fim porque eu descobri que gostava
mesmo era do diferente, do inusitado, do que não era facilmente visível. E
quando rejeitar clichês é clichê? E quando a gente descobre que todo mundo
reluta, mas no final o que querem mesmo é um bom clichê? Foi assim que eu
aceitei que eu também preciso de alguns.
A questão sobre os clichês é que eu sempre tento fugir
deles, até inconscientemente. Essa minha paixão pelo que não é óbvio não tem
muita explicação. Eu gosto do que é bom aos meus olhos, e se você pudesse se
ver pelos meus olhos você se apaixonaria por si mesmo. Eu enxergo tão longe, e
não estou falando isso pelos superpoderes das minhas imensas lentes. Eu
enxerguei há um tempo. Talvez coisas que ninguém enxergaria, ou quase ninguém,
mas eu sim. E talvez a graça seja essa mesmo, que só eu enxergue. Porque se
todo mundo visse, se todo mundo soubesse, se todo mundo descobrisse... não
gosto nem de pensar. A graça é ser meu e só meu. Meu ponto de vista. Meus
olhos. Já disse que te empresto, mas só um pouquinho. Porque eu vou precisar
deles pra te enxergar desse jeito.
E olhando assim eu acho que você tem o mesmo defeito de
fábrica que eu. Sabe, eu queria que alguém me olhasse com os olhos que eu olho
pra você. Só pra ver se faz efeito, entende? Porque eu entendo sua inquietação.
Eu também não me sentiria confortável com alguém me olhando assim, porque
parece que não somos dignos de ser olhados desse jeito, ou que no mínimo é uma
grande perda de tempo do observador. Você também acha? É, eu já sabia. Mas
mesmo assim eu queria. Porque essa maneira que eu te olho é muito intensa. E eu
não acho que ninguém entenda, porque é só mais um componente da imensa bagunça
que eu sou. Eu sou toda bagunçada e torta, e eu nem me atrevo a parar pra te
contar porque por muito menos você já evaporou pelos buraquinhos da tampa. Você
tá certo. Corre mesmo! Vai pra longe de mim porque as minhas intenções são as
piores. Eu sou bagunça e você é uma gaveta de meias, organizada em degradê.
Mas eu sou uma bagunça e bagunço com tudo ao meu redor. Vai
pra bem longe de mim! Por Deus, você é bom demais, não quero te bagunçar
também. Dá uma olhada no meu quarto, tenta ajeitar as minhas roupas, olha o
estado do meu cabelo... tudo sempre fora de ordem. E eu levo tantas vidas, e
mesmo assim não consegui arrumar nenhuma delas.
Mas você disse alguma coisa. Eu vou parar e escutar. Espera, não adianta,
eu só escuto o que quero ouvir. Eu baguncei todas as suas frases. Subverti toda
a intenção, porque eu sou uma subversiva mesmo. Sai daqui antes que eu te vire
pelo avesso! Não, volta que sua camisa
tá ao contrário de verdade! Não pega bem sair por aí assim.
Você tem todo esse trejeito de falta de jeito, e eu tenho
jeito pra acabar com isso. Mas isso é porque eu te olho com esses meus olhos
superpotentes, esses que pintam tudo em HD e me fazem enxergar no superlativo.
E eu gosto do seu jeito. Gosto ou gostei, tô na dúvida sobre qual cabe melhor.
É diferente. Foge do clichê. Dos meus clichês pelo menos. Eu gostei assim, com
os lábios perdidos, as mãos afobadas e o corpo meio trêmulo. Então sai daqui,
porque o que eu quero é te guiar. Foge de mim, porque eu venho com uma placa de
“Perigo” colada na testa. Foge! Continua fugindo que você tá certíssimo. Só não
tenta arrumar a bagunça. Não tenta, porque com esses meus olhos eu vou acabar
deixando. Não se aproxima assim não! Eu sou mole, vou derreter rapidinho. Não
diz que ama uma bagunça, porque eu te garanto que bagunça do tamanho da minha
você ainda não encontrou por aí. Pelo menos não assim, usando vestidos e
vestindo sorrisos meigos.