19 de dez. de 2013

Conto pro Vazio

Baseado no conto “A mais linda mulher da cidade” de Charles Bukowski


Do meu ponto de vista, tudo sempre tremia. Talvez eu devesse ter acendido a luz, mas preferi viver esses anos no escuro. Toda essa expectativa que me cercava me deixava doente.
Havia um espelho. Havia uma tela perfeita, pintada por algum grande artista. Havia necessidade de estragar a tela.
A vida me traria um canivete e uma caixa de remédios para dormir.
A sensação era viciante. Primeiro, dormência, depois, letargia e por fim, nada. O nada era o que eu mais gostava. Era elevar o primeiro e o segundo estágio ao máximo, ao mesmo tempo.
Tentei viver assim a maior parte dos meus dias.
Quando eu não podia ter o nada, eu queria ter tudo. Excessos, lugares inapropriados, desconhecer a palavra cautela. Tudo, tudo era quase nada naqueles dias.
E por aqueles dias eu só andava pelas ruas. Andava, e parava quando era de convir. E tudo me convinha. E todos a mim vinham.
Mas eu sentia falta da dormência. Da letargia e do nada.
E do nada eu era nada. Nada e silêncio. Apelidei de vazio. E o vazio me completava mais do que tudo.
Nos tempos do tudo, eu encontrei aquela pobre alma. Pobre homem que achou ser capaz de me fazer mudar de ideia. Eu o trouxe pro meu mundo de altos e baixo. O apresentei aos dias gloriosos e excessivos e o deixei participar do meu vazio.
Pobre homem. Não nasceu pra ser vazio.
Sentir que agora era eu quem o preenchia me deixou pesada. Era a expectativa perto de mim. Era o que me deixava doente.
Longos períodos em quarentena não foram suficientes. Passei a ouvir mais o silêncio do vazio.
Resolvi ficar de vez com ele. Esse vazio que sempre me amou pelo que eu era, não como os outros. O único que chegou próximo disso foi aquele pobre homem. Mas ele era barulhento demais pro meu vazio.
Pobre homem. Eu ainda ouvia quando ele chegou. Ele sentiria a troca. O trocara pelo vazio, quão cruel eu era.
Ele não se conformava.
Você era linda demais. Linda demais. Eu ouvi antes de escutar o silêncio.
Acho que fiz a escolha certa. Na escuridão do meu vazio não tem luz pra um belo rosto. O vazio, só ele, agora eu vejo, me quer pelo que realmente sou.