24 de jan. de 2013

Linger


Palavra da língua inglesa que não tem tradução. É algo que fica. Permanece. Não sai. Não sei ao certo o motivo, mas essa palavra, essa em especial, sempre mexeu muito comigo. Lin-gerrrr. O R no final não morre. Ele fica. Exatamente como a palavra. 

Talvez a ideia de permanecer pra sempre em alguém seja encantadora aos meus olhos. Sim, é isso mesmo. É o cheiro da nuca que ficou no travesseiro. É a sensação de formigamento que fica na boca após o beijo. É a voz que chama, mas não vai embora, segura nas orelhas e no ouvido, fica, fica e fica. E a gente tem a mania de achar que escuta em qualquer lugar. A gente sente um perfume e acha que é o mesmo cheiro. A gente procura um beijo achando que a sensação vai ser igual. Mas nunca é.

Tatuagem. É como uma tatuagem. Pode borrar, desbotar e até ser modificada. Mas nunca sai da pele. Eu sempre quis marcar a pele de alguém. A sua ou a de qualquer outro. Só pra poder apreciar a minha obra de arte, de longe, quando desse vontade. 

Porque assim, dessa sua maneira errada e suja. Com todos os seus defeitos e vícios. Com todos os palavrões e gestos feios. Ainda assim você ficou em mim. Ficou porque o seu perfume é maravilhoso, e dói quando sinto alguém passar com o mesmo cheiro. Machuca de dentro pra fora. Você ficou junto com as conversas jogadas fora nas tardes de domingo. O tanto que eu aprendi com você naqueles dias, seriam necessárias umas três vidas pra por em prática. Ficou nos meus gestos. Ficou no meu novo vocabulário. Ficou nos homens que eu conheci depois de você. Todos sempre carregando um pouquinho. Nunca tudo de uma vez. Porque essa sorte eu só teria uma vez na vida.

Linger é prolongar. É não empregar o ponto final, mas sim as reticências. E você me encheu de reticências. São tantas que eu já nem sei o que fazer com elas. Eu já rabisquei um milhão de pontos finais. Já apelei até pra tinta permanente. Mas você estraga tudo adicionando mais dois pontinhos ao fim das minhas (suas) frases. 

Se um dia eu parar e procurar com calma na sua pele não acredito que vá encontrar minhas tatuagens. Já no meu corpo não existe mais espaço. São palavras perdidas, frases meia boca, algumas vírgulas e as malditas reticências. Tudo isso seu. Tudo isso em mim. Porque você fica. Ficou. Aprendi na pele o que é linger, não precisa mais tentar traduzir.

You lingered on me.


21 de jan. de 2013

Sobre livros, prateleiras e estantes


Hoje pela manhã eu li um texto que dizia que pessoas são como prateleiras que nós usamos apenas para dar suporte aos livros. Achei que fazia sentido. Comecei a me perguntar quem seriam as pessoas que eu fiz de prateleira ao longo da minha vida. Naturalmente você entraria no grupo. Mas não foi tão natural assim. Quando dei por mim não conseguia te esquecer misturada no mesmo saco que as outras mulheres que passaram. Elas sim, mulheres prateleiras. Você deveria estar lá. Deveria, pois assim eu saberia com toda a certeza que o espaço que você ocupa em mim é pequeno. A questão é que eu já não sei.

Você tem esse seu jeito confuso de gostar dos amores proibidos e impossíveis. E eu sinto que é só isso que te atrai em mim. Sem toda essa carga eu seria só mais um dos tantos homens que passam na sua vida. Exatamente como esses cujas ligações e sentimentos você ignora. E eu não paro de pensar que pra mim você também é impossível. E o seu impossível é tão gostoso.

A confusão na minha cabeça é tão grande que eu acho que você nunca entenderia. Você é linda com todo esse seu jeito meigo, e eu fico pra morrer quando te vejo sendo assim com outros caras. O ideal seria que fosse só pra mim. Eu tenho que me controlar pra não te abraçar e te trazer pra perto toda vez que você sorri esse sorriso bonito. Porque eu não posso. E por mais que você pense que eu não queira, a verdade é que eu realmente não posso.

Eu sempre fui um cara justo e centrado. Mas você mexe com tudo isso e subverte os pensamentos dentro de mim. Eu fico procurando maneiras de te manter por perto, e isso pra mim não faz sentido. Tento achar um porque e a resposta se esconde por trás do que eu não me permito pensar. Então eu te afasto. Te afasto, pois é o certo a fazer. Porque é o melhor pra mim. Pra ela. Mas aí você vem, e me puxa de volta. Aí eu não consigo mais sair.

Ultimamente eu tenho pensado que você anda me usando. Me usando como alvo das tuas brincadeiras. Ou então, simples e somente pra satisfazer as suas necessidades. Quando na verdade quem deveria estar te usando era eu. Eu estive a frente da situação o tempo todo. Eu digo a hora. Eu dito as regras. Não é assim? Ou será que você é tão boa nesse jogo que me fez acreditar que eu era o dono da situação quando, na verdade, era sempre você?

Você começou a entrar na minha vida. E eu nunca te convidei. Você anda aparecendo nos filmes que eu assisto, nas músicas que eu toco e até nos livros empoeirados que eu tenho tirado da estante da sala. Se dependesse de mim você nunca passaria pela porta. Mas você é cheia de artimanhas. E eu acho tudo isso uma graça. Você me ganha no meu ponto fraco. Meu complexo de homem-super-protetor chega à flor da pele quando eu te vejo tão frágil e indefesa (tão diferente da máscara que você veste na frente dos outros). Mas eu não tenho permissão pra te proteger. Quando o faço tenho que ser discreto e sorrateiro. Te protejo de longe. Está decidido! E não quero um “aí” sobre o assunto.

Definitivamente você não é uma prateleira. Você é um livro que eu peguei emprestado e preciso devolver. Um livro desses que interrompem a nossa leitura atual. A gente se cansa da história que estava lendo e quer partir pra essa aventura nova e excitante. Mas no final eu acabo voltando pra leitura antiga. E espero que você fique ali, na minha prateleira, bem ao meu alcance. Só que o livro é tão interessante que sinto que logo alguém o tomará de mim.

20 de jan. de 2013

A garota que superava fácil demais


Eu gosto da solidão. Gosto de como lido com isso. Não é estar sozinha, é estar em sintonia comigo. A casa é grande demais para uma pessoa só. Eu aproveito o espaço. Levanto devagar, espreguiço os braços e abro os olhos. A chuva não parou de cair. Um quase sorriso se forma nos meus lábios. Calço os chinelos e prendo o cabelo. Talvez fosse um daqueles dias em que é melhor nem sair da cama. Acho que no fundo nunca tive um desses, não que me lembre, mas sempre escuto todos ao redor falarem isso. Um dia, mais cedo ou mais tarde, acontecerá comigo.
Ligo a cafeteira e preparo o café a meu gosto. Às vezes é bom deixar amargo. Ajuda a lembrar das coisas doces. Tento não fechar os olhos, pois assim as imagens vêm à cabeça. A roupa, a mesma de ontem, conserva o cheiro de bebida e ambiente fechado. Lembro da visão embaçada e da cabeça pulsando. Me deitei desse jeito mesmo. O importante era passar de uma vez. É engraçado que as coisas tenham chegado a esse ponto. Eu nunca diria essas palavras. Nunca faria coisas do tipo. Mas essa era eu antes de você.
Gole quente e amargo. É bom assim.
Tudo o que eu preciso agora é um banho. A ducha está quente. Como é possível que você ponha em prova tudo o que eu penso, acredito ou julgo certo? O complexo de inferioridade que eu desenvolvo estando com você é de ferir. Você sempre percebeu, mas nunca fez questão de mudar. Talvez isso te faça bem.
E não. Não foi por acaso que eu entrei no nosso bar. Antes seu. Agora nosso. Eu sonhei, ensaiei, escrevi e revisei tudo o que te diria naquele dia. Porque sim, era certo te encontrar lá. Na habitual mesa, com o habitual chope e os habituais rabiscos. Eu diria que estava de passagem e, olha só que coincidência, resolvi tomar um chope por aqui. Não que eu imaginasse te encontrar nesse lugar. Não é só porque você sempre fez questão de me trazer aqui que estaria no bar justamente hoje. Já que nos encontramos acho legal trocarmos algumas palavras. Não trocamos muitas desde que nos vimos pela última vez. Ou melhor, desde que você parou de atender minhas ligações.
Não é certo fazer isso com alguém. Não é certo fazer isso comigo. Pode beber seu chope com calma, não quero incomodar. Sua vida anda agitada? Que coisa. A minha não. Espera, na verdade anda sim. Eu faço questão de passar todas as minhas noites fora de casa. Já frequentei cada bar, cada boate, cada cubículo dessa maldita cidade. Porque ficar em casa é nocivo pra mim. Você não quis me ver. Tudo bem. Eu entendo. Eu vou procurar companhia por aí. Talvez preencher os milhares de buracos e vazios que você deixou com festas de arromba, amigos fúteis, desconhecidos e bebidas. Mas você precisa saber que isso não é certo. Você nunca fez nada certo. E olha só pra mim, abrindo a guarda mais uma vez. Te entregando meus sentimentos de bandeja. Pode se servir.
Você limpa com a ponta do dedo lágrima que se forma no meu olho antes dela cair. Afasta o meu cabelo do rosto e me abraça. Exatamente como você gosta de fazer. E aí eu tremo. Cambaleio e desmorono. Metade de mim quer te segurar com força pra não deixar você sumir de novo. Porque você sempre some e eu parei de contar as vezes depois da última. Outra metade quer tentar os truques de karate que eu aprendi assistindo o filme do Tarantino. Assim você nunca mais mexeria comigo. Minha única certeza é que a melhor coisa a fazer é sair dali.
Me desvencilho dos seus braços grandes e quentes. Levanto da cadeira e ajeito o vestido preto. Mas você já vai? Não ia tomar um chope? Fica. A gente pode fazer alguma coisa. Eu prefiro fingir que não escutei nada do que você disse. Pego a bolsa e saio sem olhar pra trás. Prometo pra mim mesma nunca mais botar os pés nesse maldito bar, que a partir de agora volta a ser só seu. Entro no primeiro lugar lotado de desconhecidos e música alta. Qualquer coisa pra abafar meus pensamentos.
E agora estou aqui, debaixo dessa ducha pelando, um pouco surda e com a cabeça latejando. Eu posso tirar o celular da bolsa e posso atender o telefone. Não vai ser você. Você não vai ligar. Não por hoje. Mas talvez amanhã ligue. Amanhã ou quando perceber que ninguém mais se dará ao trabalho de virar madrugadas escrevendo sobre você. Quando sentir falta dos meus comentários engraçados ou do jeito infantil. Quando sentir falta da sua crítica mais fiel e mais sincera. Porque você vai. Como sempre, eu sei que vai. Mas por hoje eu só quero que essa dor de cabeça passe.

15 de jan. de 2013

Crônica nº 2


Hoje foi um daqueles dias em que eu acordei com uma estranha vontade de viver. Uma olhada na janela. Cinza. Exatamente como no meu sonho. Só que real. Vesti a melhor roupa, deixei os cabelos soltos e calcei o melhor sapato. Talvez, só por hoje, tudo desse certo.
A chuva que eu tanto gosto caía com uma certa insistência. Não posso reclamar. Quando ela não vem eu sinto saudades. Achei melhor fechar os olhos. Os de dentro. E me imaginar junto com ela, a chuva, mas em outra situação. Eu estaria andando apressadamente por Paris. Mas aí eu me daria conta de onde estou, e que Paris na chuva é tão mais bonito, e afrouxaria o passo.
Se era faz de conta eu podia fazer de conta que estava indo te encontrar. Você estaria me esperando num café, com um expresso em sua mesa, o livro do qual conversamos e os seus braços quentinhos. Eu sei o quão quentes eles podem ser porque eu já pude experimentar. Você me avista pela janela embaçada. Sorri pra mim e eu abraço o casaco com mais força. Logo ele não será tão necessário. Talvez eu peça um expresso também. Você vai me abraçar forte e perguntar sobre o meu dia. Eu quero ouvir tudo sobre o seu. E eu vou me fazer na sua barba. De que importa se meus pés estão encharcados? Eu só quero que você roce o seu queixo no meu pescoço.
A buzina do carro me desperta pra realidade. Não. Eu não estou em Paris e você não está aqui. A falta é tanta que chega a doer. Porque na verdade você está. Mas não está. E eu não estou porque você não me deixa estar. Então eu sigo. Porque você não é o primeiro e nem será o último. Mas foi um dos poucos que conseguiu furar o muro. O problema é que você deixou o buraco, mas esqueceu de pendurar o quadro.