5 de out. de 2014

Nantes.

Vigésimo terceiro dia daquele mês chuvoso. O barulho das gotas batendo na janela competiam com o som da agulha arranhando o disco que terminava de tocar. Quase um ano nessa cidade estranha e provinciana. A essa altura tudo já se resumia ao marasmo. Eram as mesmas cercas descascadas, as mesmas ruas pacatas até em períodos de férias, o mesmo Sol gelado e aquele cheiro de mato que já estava impregnado no meu nariz. Tudo isso se evidenciava com a sua ausência. Após o terceiro mês sem receber uma correspondência sua percebi que em meu rosto nasciam linhas a cada dia. O canto da sala resumia-se a pilhas de cartas escritas que nunca enviei. As letras apagadas e frouxas na máquina de escrever produziam o som da minha angústia quando apertadas. Aprendi a preencher o vazio das paisagens com o seu sorriso, e só então aquele rio voltou a parecer bonito. Mas esses postais foram ficando feios quando eu me dei conta do tanto de tempo que fazia desde a última vez que eu vi esse sorriso. Durante as noites me dava vontade de dançar. Mais uma noite nessa cidade e eu dançava sozinha com a lembrança do contorno do seu corpo, e ninguém ousava levantar a voz. E o sorriso desaparecia. E aos poucos mal me restava a lembrança. Meus dedos se fundiram às teclas da máquina, e aos poucos eu me diluí nas pilhas de cartas. Tão frágil quanto papel, uma noite o vento rompeu a janela e espalhou as pilhas até que fossem apenas palavras sem sentido. E então eu pude lembrar de sorrir.