Se eu respirasse mais forte era capaz de desabar. A
bagunça e o caos da casa refletiam perfeitamente o meu estado interno. Eu o
esquecia pra tornar a lembrar. Por mais que eu o expulsasse do quarto e o
trancasse do lado de fora, ele insistia em invadir meus sonhos, tornando-os
pesadelos dali em diante.
O garoto da aura negra.
Passou por mim como um sopro gelado. Deixou a cama
desarrumada e o gosto das baforadas do seu cigarro. Intrigou-me mais do que
cativou.
Era ele, o presente lacrado que eu não conseguia abrir. O
código indecifrável que eu nunca poderei solucionar. A caixa preta que leva os
segredos de uma vida.
Curta. Tão curta quanto o tempo que tive pra desvendá-lo.
Tão longa quanto o espaço entre nós dois.
Ele era pesado. Pesado e difícil de inspirar. Entrou
rasgando as narinas e queimando o pulmão. Fez questão de marcar suas digitais.
Nunca vou entender esse egoísmo masculino.
O garoto da aura negra não tinha alma.
Vestia uma capa de sensibilidade pra esconder a falta de
tato. Vivia de fatalismos pra tentar esquecer o hiato de sua própria
existência. Fumou meus cigarros e se apossou de minhas pernas, sem a mínima
intenção de fazer-se presente.
O garoto da aura negra precisou virar um borrão.
Não tem espaço pra ‘talvez’ nos meus dias
agonizantes. Não posso ficar aqui e
ouvir teus berros enquanto eu grito em silêncio. Não é possível dividir o
status.
Garoto da aura negra, minha aura é tão negra quanto a
sua.
Juntos, seríamos a forca que levaria o pouco de sanidade
que nos resta.