5 de nov. de 2013

O Garoto da Aura Negra



Se eu respirasse mais forte era capaz de desabar. A bagunça e o caos da casa refletiam perfeitamente o meu estado interno. Eu o esquecia pra tornar a lembrar. Por mais que eu o expulsasse do quarto e o trancasse do lado de fora, ele insistia em invadir meus sonhos, tornando-os pesadelos dali em diante.
O garoto da aura negra.
Passou por mim como um sopro gelado. Deixou a cama desarrumada e o gosto das baforadas do seu cigarro. Intrigou-me mais do que cativou.
Era ele, o presente lacrado que eu não conseguia abrir. O código indecifrável que eu nunca poderei solucionar. A caixa preta que leva os segredos de uma vida.
Curta. Tão curta quanto o tempo que tive pra desvendá-lo. Tão longa quanto o espaço entre nós dois.
Ele era pesado. Pesado e difícil de inspirar. Entrou rasgando as narinas e queimando o pulmão. Fez questão de marcar suas digitais. Nunca vou entender esse egoísmo masculino.
O garoto da aura negra não tinha alma.
Vestia uma capa de sensibilidade pra esconder a falta de tato. Vivia de fatalismos pra tentar esquecer o hiato de sua própria existência. Fumou meus cigarros e se apossou de minhas pernas, sem a mínima intenção de fazer-se presente.
O garoto da aura negra precisou virar um borrão.
Não tem espaço pra ‘talvez’ nos meus dias agonizantes.  Não posso ficar aqui e ouvir teus berros enquanto eu grito em silêncio. Não é possível dividir o status.
Garoto da aura negra, minha aura é tão negra quanto a sua.
Juntos, seríamos a forca que levaria o pouco de sanidade que nos resta.