14 de dez. de 2012

Crônica nº 1


Já eram 18:30 quando ela conseguiu fugir. As paredes se fechavam e o vidro espelhado começava a sufocar mais do que tudo. Talvez o que faltava era ar puro. Talvez uma simples caminhada fosse capaz de resolver. Resolveu seguir andando, mas ao invés de dobrar a esquerda e tomar o caminha habitual, escolheu a direita.
Como sempre, ela estava imersa até a cabeça em problemas que não eram seus. As incertezas, os problemas e as dúvidas, que não eram suas, perseguiam-na sem trégua, sem deixar um mísero espaço pra respirar. No fundo ela gostava. Era a única maneira de não encarar os seus de frente. As suas incertezas, os seus problemas, as suas dúvidas. Continua caminhando, agora pela orla daquela famosa praia. A sua frente uma jovem senhora diminui o passo pacientemente para acompanhar o garotinho na bicicleta. Talvez fosse sua mãe, a questão é que parecia imensamente satisfeita em só acompanhar. Talvez fosse melhor se sentar.
Será que a jovem senhora era feliz assim? Sua imaginação fértil projetou um apartamento confortável, um marido aceitável e um cachorro de porte médio, além do garotinho, é claro. A ideia lhe causou calafrios. Parecia tudo tão banal. Talvez o problema não estivesse na jovem senhora, nem no marido ou no filho. Talvez o problema estivesse nela que não consegue assimilar o fato de as pessoas se contentarem com o marasmo. Mas a ideia era não falar dos problemas dela. Melhor pedir uma cerveja.
O dia começa a terminar. Ela brinca com a ponta de uma mecha de cabelo enquanto observa aqueles dois morros se ascenderem à medida que o Sol se apaga. A sua vontade era não sair dali nunca. Engolir a bebida e se aquietar no mais profundo silêncio. Talvez assim ela conseguisse, enfim, atirar-se para dentro do vazio. Talvez o problema realmente estivesse nas pessoas. Nas pessoas as quais ela vem se cercando. Um suspiro pesado e uma lágrima que quase desce. Lágrimas. Há quanto tempo ela não sabe o que é sentir o líquido salgado descendo pelas suas bochechas. Não que não houvesse oportunidades, não que a vontade não aparecesse ou que ela se esforçasse. Elas, as lágrimas, simplesmente não vinham. Estavam ignorando-a assim como qualquer outra coisa que pudesse comprová-la de sua própria existência.
Ultimamente ela tem se sentido incapaz de sentir. A rainha da dissimulação se perdeu no meio do que é real e do que não é. Havia dias em que ela se sentia embebida em morfina, incapaz de se aquecer e sendo obrigada a forçar sorrisos calorosos. Um último gole, mais uma cerveja. Dessa vez um homem para ao seu lado. Ele senta-se à mesa ao lado, lê um jornal escrito em outra língua e usa sapatos que não combinam com a ocasião. Alheio àquele mundo. Instantaneamente ela o acha interessantíssimo. Seria um belo estudo de caso se fosse antropóloga, pensa com seus botões. Esse cara deve ter uma vida interessante. Ela gostou da ideia de se imaginar em outro canto do Mundo, rodeada de pessoas diferentes, lendo um jornal em outra língua e totalmente alheia ao dia-a-dia das pessoas.
Se tivesse uma toalha esquecida em minha bolsa, até me arriscava a dar um mergulho, ela pensa. A mecha de cabelo já não parece mais tão interessante, assim como o vizinho da mesa ao lado. Como podes ser tão volúvel? Ela mesma se repreende. Ser volúvel implica em mudar de ideia incrivelmente rápido, mudar de ideia implica em ter que opinar por um ou outro, opções implicam em escolhas e, por favor, deem-lhe tudo, mas não deem escolhas. A capacidade de escolher algo que seja bom pra si já foi descartada. O problema é que o caminho do meio que ela escolheu implica em sempre ficar com as duas opções. Pra que isso ou aquilo se posso ter isso E aquilo? Pra que ele ou você se posso ter ele E você. E assim tudo fica mais fácil. Só esqueceram-se de avisá-la que quem quer tudo nunca tem nada.
Um último gole. É hora de dar as costas a esta paisagem, ao vizinho que agora grita em seu celular e ao buraco negro de pensamentos que ficou naquela mesa. Soluções? Encontrou várias. Nunca pros seus próprios problemas, mas sempre terá um bom conselho a te dar se você pedir. Uma garota que está perdida demais para dizer alguma coisa. Talvez ela nem esteja tão perdida assim, só que ainda não conseguiu se encontrar.

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